Preservação de línguas indígenas na Amazônia com inteligência artificial
Foto: Reprodução/Kambrinti Khisêtjê/Arquivo Pessoal
  • Projeto da IBM e USP usa IA para documentar, vitalizar e traduzir línguas indígenas na Amazônia.
  • A Funai integra coalizão da Unesco para pautar diversidade linguística em IA.
  • Instituições acadêmicas, comunidades e ONGs enfrentam desafios de dados, ética e financiamento.

O projeto de preservação de línguas indígenas na Amazônia combina inteligência artificial, comunidades tradicionais, instituições acadêmicas e governamentais para documentar e revitalizar idiomas ameaçados até o meio do século XXI. Essa iniciativa envolve a IBM Research Brasil e a USP, com participação da Funai na coalizão da Unesco, desde 2023.

Desde o início, o objetivo principal é permitir que jovens indígenas aprendam, escrevam e falem suas línguas nativas. A tecnologia foi testada na aldeia Tenondé Porã, com falantes do Guarani Mbya, criando ferramentas de escrita e tradução que reforçam o uso cotidiano desses idiomas.

Como o projeto funciona

A colaboração USP‑IBM desenvolveu modelos de processamento de linguagem natural (PLN) para traduzir e auxiliar a produção textual em línguas indígenas, incluindo o Nheengatu, atualmente em risco e oficializado no Amazonas em 2023. As ferramentas incluem:

  • Editor de texto com corretor ortográfico e sugestão de palavras;
  • Aplicativo móvel para tradução e suporte à escrita;
  • Planos de ampliação para plataformas online e redes sociais.

Esses recursos criam suporte tangível para documentar fonemas, vocabulário e gramática, abrindo espaço para uso em contextos formais e populares.

Quem está envolvido

O projeto central é fruto da parceria da IBM Research Brasil e da Universidade de São Paulo (USP), em alinhamento com a Década Internacional das Línguas Indígenas (2022‑2032) da Unesco.

A Funai passou a integrar oficialmente a Coalizão para a Diversidade Linguística em Inteligência Artificial, lançada no 3º Fórum Global da Ética da IA, em junho de 2025, representando o Brasil nos debates de equidade e soberania digital.

Pesquisadores como Thiago Santos e Cleuber Amaro, da Coordenação de TI da Funai, apresentaram estudos sobre os desafios e possibilidades do uso de IA em comunidades indígenas, e ajudaram a formular diretrizes multilíngues e benchmarks éticos.

Também se destacam vozes indígenas acadêmicas como Altaci Kokama, da UnB e representante no grupo de trabalho da Década das Línguas Indígenas com a Unesco, que defende a preservação das línguas como parte da identidade cultural e resistência amazônica.

Preservação de línguas indígenas na Amazônia com inteligência artificial
No Acre, indígenas já usam ferramentas como tablets. Foto: Governo do Acre

Desafios e limites da iniciativa

Entre os principais entraves estão:

  • Escassez de corpora linguísticos: a maioria das línguas conta com poucos registros escritos;
  • Questões éticas e participação: ferramentas externas tendem a falhar sem participação indígena ativa;
  • Financiamento sustentável: muitos projetos dependem de bolsas temporárias ou doações como as da Fapesp (R$ 14,5 milhões para acervo digital).

O estudo acadêmico “Harnessing the Power of Artificial Intelligence to Vitalize Endangered Indigenous Languages” mostra como modelos de língua indígena (ILMs), treinados com poucos dados, podem gerar tradutores e corretores eficientes, desde que construídos em conjunto com as comunidades.

Por que isso importa

Preservar uma língua indígena é preservar um modo de vida, um conhecimento ancestral profundamente conectado à natureza Amazônica. Cada língua representa saberes sobre a floresta, a biodiversidade e as práticas tradicionais sustentáveis: a sua perda empobrece não só os povos indígenas, mas a humanidade.

Impactos para a Amazônia

Essas ferramentas tecnológicas têm potencial para:

  • Aumentar a quantidade de jovens falantes;
  • Permanecer no dia a dia digital e nas redes;
  • Contribuir para a identidade cultural e a resistência frente às pressões externas.

Além disso, ao integrar a Funai à coalizão da Unesco, o Brasil reforça sua soberania digital dos povos indígenas, buscando evitar o colonialismo tecnológico e promover políticas públicas inclusivas.

O que esperar daqui pra frente

Novas etapas previstas incluem:

  • Expansão da tecnologia para outras línguas amazônicas em risco;
  • Criação de repositórios multilíngues e benchmarks acessíveis;
  • Desenvolvimento de aplicativos e plataformas colaborativas;
  • Capacitação de falantes nativos para uso e manejo das ferramentas.

Para isso, será decisivo garantir participação comunitária, financiamento contínuo e alianças com ONGs como o Instituto Socioambiental (ISA) que já apoiam educação bilíngue e material didático na Amazônia.

Glossário

  • PLN (Processamento de Linguagem Natural): tecnologias que permitem a IA entender e gerar texto humano.
  • ILM (Indigenous Language Model): modelo de linguagem treinado especificamente para uma língua indígena.
  • Nheengatu: língua tupi‑guarani falada na bacia do Rio Negro, oficial no Amazonas, mas em risco.

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