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Foto: Valéria Nakashima/ Ascom Inpa

O peixe-boi amazônico atua como “jardineiro” das florestas alagadas, transportando sementes entre diferentes ecossistemas aquáticos da região.

A conclusão é de um estudo publicado no Journal for Nature Conservation por pesquisadores brasileiros, após a análise de fezes coletadas no Lago Amanã, no coração da Amazônia Central.

Estudo confirma hipótese antiga sobre o mamífero

O processo é chamado de dispersão endozoocórica, quando animais ingerem sementes e as excretam em outro local. Até então, essa função atribuída ao peixe-boi amazônico era uma hipótese não comprovada.

Encontramos sementes viáveis germinando em fezes, o que comprova a capacidade do animal de disseminar plantas aquáticas”, afirma Maria Teresa Fernandez Piedade, pesquisadora do INPA e coautora do estudo.

Fezes encontradas com gramíneas

Foram analisadas 96 amostras de fezes ao longo de 45 km do Lago Amanã. Em 86,5% delas, havia sementes intactas, e o restante apresentava cascas. O lago está inserido em uma região de florestas de igapó, altamente sensível às mudanças climáticas.

Seca extrema de 2023 facilitou a coleta

A coleta foi viabilizada por um evento raro: a seca severa registrada na Amazônia em 2023. Com a diminuição do volume de água, fezes que normalmente se dissolveriam ficaram expostas em praias arenosas.

As plântulas estavam crescendo diretamente nas fezes, que funcionaram como substrato fértil”, explica a doutoranda Michelle Pazin, primeira autora do artigo.

Essas fezes, além das sementes, são ricas em nutrientes, ajudando a fertilizar os corpos d’água e promovendo o crescimento da vegetação, essencial à dieta do peixe-boi.

Ecologia em movimento: o peixe-boi como vetor de diversidade

Com capacidade de percorrer mais de 200 km em migrações, o peixe-boi ajuda a conectar diferentes habitats, inclusive áreas com solos mais pobres, como os igapós de água preta.

Segundo os autores, a atividade do animal também contribui para a reciclagem de nutrientes, ao liberar compostos nitrogenados pelas fezes e urina.

“Esse mamífero gigante abre espaços na vegetação aquática, criando nichos para peixes e invertebrados”, destaca o estudo. Isso amplia a biodiversidade dos ecossistemas aquáticos.

Importância da conservação diante das mudanças climáticas

O peixe-boi-da-Amazônia está classificado como vulnerável pela IUCN. Apesar de protegido por leis nacionais e internacionais, enfrenta ameaças crescentes.

Desmatamento, queimadas e poluição comprometem a disponibilidade de plantas aquáticas, sua principal fonte alimentar.

Michelle Pazin ressalta que essa descoberta deve orientar políticas públicas de conservação e gestão de áreas protegidas, com foco na preservação de espécies-chave e seus habitats.

Equipe multidisciplinar de cientistas envolvida no estudo

Além de Piedade e Pazin, o artigo é assinado por:

  • Aline Lopes – Grupo MAUA/INPA e Sociedade Botânica do Brasil
  • Victor Pazin – ICMBIO/APABF
  • Denise Santana – UFU
  • Miriam Marmontel – Instituto Mamirauá

O estudo reforça que proteger o peixe-boi é preservar a floresta alagada e garantir o equilíbrio ecológico da Amazônia.

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